domingo, 5 de agosto de 2012

Entrevista com os diretores do filme 'Intocáveis'


Como tiveram a ideia para INTOCÁVEIS?
Olivier Nakache: Voltemos para 2003. Uma noite, assistimos a um documentário que nos marcou: A LA VIE, A LA MORT. Era sobre o super inesperado encontro entre Philippe Pozzo di Borgo, que ficou tetraplégico após um acidente de paraquedas, e Abdel, um jovem dos projetos habitacionais contratado para cuidar dele. Na época, tínhamos acabado de filmar JE PREFERE QU’ON RESTE AMIS (conhecido como JUST FRIENDS). Provavelmente não éramos maduros o suficiente para enfrentar o assunto na época, mas o documentário ficou em nossas mentes. Às vezes o assistíamos novamente… e, após TELLEMENT PROCHES (conhecido como SO CLOSE), sentimos que talvez a hora tivesse chegado para trabalharmos na história.
Eric Toledano: As circunstâncias ficaram um pouco especiais após aquele filme, em que Omar fez o papel de um médico. Foi um prazer para nós o vermos se tornar um ator ao nosso lado em NOS JOURS HEUREUX (conhecido como THOSE HAPPY DAYS): naturalmente queríamos continuar essa aventura com ele. Sentimos que Omar ainda não havia mostrado todo seu potencial no cinema. E a relação entre Philippe e Abdel voltou para nós como um bumerangue, como algo óbvio. Então, mostramos o documentário a Omar para ver se ele se interessaria. Ao obtermos uma resposta positiva, pelo menos percebemos que essa história continha tudo que procurávamos: uma incrível história, um assunto poderoso, uma enorme dose de humor... E, além disso, tudo que Olivier e eu admiramos: pessoas que, em situações extremas, mantêm seu senso de humor e permanecem positivas. É assim que trabalhamos diariamente: sabíamos que tínhamos coisas para dizer sobre esse assunto.

Ao ter a resposta de Omar, como vocês procederam?
O.N.: Antes de começarmos o trabalho no roteiro, queríamos conhecer Philippe Pozzo di Borgo em Essaouira, Marrocos, onde ele casou-se novamente. Para vermos se nosso desejo de fazer um filme sobre sua história aumentaria ao conhecê-lo. E.T.: Conseguimos entrar em contato com ele facilmente, porque ele deu seu endereço de e-mail no final do livro que escreveu, LE SECOND SOUFFLE. E ele respondeu prontamente dizendo que essa não era a primeira vez que diretores gostariam de adaptar sua história para o cinema, que ele já até havia lido roteiros, mas que ficaria encantado em nos conhecer.
O.N.: E esse encontro foi decisivo!
E.T.: Pois ele nos contou o final da história, tudo que não estava no documentário. E várias das coisas que ele disse nos marcou. Philippe não fala muito, mas, quando o faz, suas palavras são ponderosas... E então ele nos disse: “Se vocês fizerem esse filme, ele tem que ser engraçado. Pois essa história deve ser tratada com humor”. Ficamos encantados e tranquilizados ao ouvir aquilo. Ele acrescentou: “Se eu não tivesse conhecido Abdel, eu estaria morto”. Aquela conversa nos permitiu abrir muitas linhas de pensamento. Por exemplo, como os dois níveis da sociedade francesa, representados por Philippe e Abdel, criam novas relações e sentimentos quando colidem. Estes dois homens, um atingido por uma deficiência física, o outro vítima de uma deficiência social, têm um tipo de estranha complementaridade que foi capaz de provocar essa troca.

Philippe Pozzo di Borgo concordou imediatamente em permitir que trabalhassem em INTOCÁVEIS?
O.N.: O encontro permitiu-lhe descobrir quem éramos. Também lhe mostramos nossos filmes. Houve uma troca verdadeira. E ele nos pediu para dar o mergulho.
E.T.: Ele entendeu na hora que permitiríamos que ele lesse tudo. Percebemos que ele estava ansioso, que queria conversar sobre isso conosco... Ele foi generoso e extremamente cortês em nos receber, como em todos os e-mails que ele continuou a enviar daquele dia em diante.
O.N.: Ele confiou em nós. E quando você conhece alguém como ele, isso deixa uma marca.
E.T.: Ele nos dava páginas de anotações sobre cada novo rascunho do roteiro. Por exemplo, destacava situações que eram tecnicamente impossíveis na sua condição. Resumindo, ele trazia verdade ao filme por nos contar, às vezes, sobre uma realidade que era até mesmo mais louca e mais engraçada do que a que escrevíamos. O tempo todo, ele conservava um lado normal em uma situação anormal. E essa habilidade de nos fazer esquecer sua condição nos guiou durante o filme. E é por isso também que, assim que Omar e François estivessem prontos para embarcar conosco nessa aventura, organizaríamos nosso “curso de integração”. Voltamos a Essaouria para vermos Philippe com eles. E, mais uma vez, ele nos deu mais o que pensar...
O.N.: Foi nesse momento que François começou a se inspirar nele, observando como ele vivia, se movia, falava, antes de recriar tudo isso no filme. No final desses três dias, François simplesmente nos disse: “Levantarei a bandeira”. Ele é tão intenso e mergulha tanto nos papeis que interpreta, que essa reunião o dominou completamente.

Por que vocês escolheram François Cluzet para o papel de Philippe? O.N.: Inicialmente, para esse papel, procurávamos por uma marcante diferença de idade com Omar, implicando atores de certo calibre. Então soubemos que François havia lido o roteiro, graças a seu agente, sem nosso consentimento. Ele, então, pediu para nos conhecer. E isso foi o puxar do gatilho!
E.T.: O seu entusiasmo imediato foi o suficiente para nos fazer querer trabalhar com ele. Quando ele explicou, por exemplo, que queria experimentar as situações e não apenas interpretá-las. Então, ao conhecê-lo pouco a pouco, começamos a nos empolgar com a eletricidade que surgiria do seu encontro com Omar, que, como ele, vivencia situações mais do que as interpreta. Foi tudo além do que esperávamos.
O.N.: François é um ator verdadeiramente intenso. Esse papel exigia uma enorme preparação. Ele não poderia aparecer um dia antes das filmagens, sentar em uma cadeira de rodas e começar a respirar e sofrer... sem ter trabalhado nisso antes. Como ele havia prometido, ele aceitou o desafio.

No cinema, nunca vemos dois “atores” atuando; cada um foca em si mesmo. Eles realmente atuam juntos e criam um tipo de personagem de duas cabeças. Isso estava óbvio desde os primeiros dias de filmagem?
O.N: Para sermos honestos, não percebemos de primeira. Pois François é um ator que mantém certa distância no início. Ele tem uma aproximação muito intelectual com as coisas antes de filmar. Para ele, a principal parte do trabalho é feita na hora em que ele chega ao set onde tudo que ele preparou está perfeitamente ajustado. Então, a obviedade que, claro, procurávamos, não nos atingiu imediatamente. Mas, tão logo percebemos que ela estava lá, tornou-se um permanente prazer assisti-la. Omar e François, cada um a sua maneira, tentaram usar seu papel para fazer o personagem o mais real possível e evitar uma competição de atuação.

O quão vocês ficaram surpreendidos com Omar nesse filme, comparando os outros filmes em que vocês o dirigiram?
E.T.: Nunca teríamos embarcado em um filme como INTOCÁVEISse não tivéssemos uma clara ideia do elenco que queríamos. E, assim como Philippe, o ator a interpretar Driss deveria ser crível instantaneamente. Omar nos surpreendia continuamente. Ele tomou a iniciativa de perder 10 quilos e aumentar os músculos sem que pedíssemos, porque, na sua mente, um cara dos projetos habitacionais seria mais magro do que ele na vida real. Quando eu o vi chegar com a cabeça raspada, vestindo uma blusa de moletom com capuz e uma jaqueta de couro, fiquei impressionado com a maneira em que ele se caracterizou ao personagem sozinho. O.N.: E então, no set, Omar foi incrível atuando! Sempre soubemos que havia um ator escondido nele. Mas aqui, ele realmente nos nocauteou.
E.T: Omar trás bom humor e simpatia que são importantíssimos para uma filmagem. Ele tem uma forma rara de humildade. Às vezes, as pessoas esperavam por ele perto do set porque filmamos perto de uma escola em Bondy e ele tirava fotos com todas as crianças, sem nunca perder o bom humor. Ele nunca se leva a sério. Sua relação com a fama é totalmente natural.

Como foram as preparações com François e Omar antes das filmagens?
O.N.: Tivemos muitas leituras com eles. Isso foi ótimo porque adoramos roubar algumas coisas dos atores nesses momentos, coisas que escapam completamente. Temos vários estágios diferentes em nosso “método” de trabalho. Primeiramente, escrevemos o roteiro e então o reescrevemos durante as filmagens. De fato, não sabíamos como François reagiria no set, pois nós conversamos o tempo todo, até mesmo durante as cenas!
E.T.: Fazendo isso, tentamos perturbar as atuações dos atores e trazer coisas inesperadas, acidentes, coisas imprevistas. O.N.: Claro que preparamos tudo com cuidado, mas quando falamos de filmagens, gostamos de experimentar todas as ideias que temos. E é uma perturbação necessária, até mesmo para a equipe que sempre nos pede para fazermos a cena da maneira que foi escrita pelo menos uma vez!
E.T.: Mas podemos fazer isso, pois preparamos tudo juntos e sabemos que pode funcionar. Chega um ponto em que precisamos demolir tudo, pois sentimos que os atores podem ficar entediados. Precisamos desse ânimo particular, compartilhamos isso, é uma das principais coisas que temos em comum.

Depois de filmes com muitos personagens, NOS JOURS HEUREUX (Those Happy Days) e TELLEMENT PROCHES (So Close), este filme foca apenas em dois, um pouco parecido com seu primeiro filme, JE PREFERE QU’ON RESTE AMIS (Just Friends). Qual dos dois estilos vocês preferem?
E.T.: O filme com muitos personagens foi, involuntariamente, influenciado pelo sucesso de NOS JOURS HEUREUX, e quisemos continuar na mesma linha com TELLEMENT PROCHES: trabalhar com um grupo, mas também com cada personagem. Além do mais, nós realmente gostamos de histórias em que tudo se mistura, filmes italianos em que as pessoas falam o tempo todo...
O.N.: Temos muito medo de entediar nosso público! Ter muitos personagens e histórias nos permite evitar correr esse risco.
E.T.: É por isso que INTOCÁVEIS foi uma realização complexa para nós. Mas pudemos contar com nossos produtores muito vigilantes que sabiam como nos estimular, desde os primeiros rascunhos do roteiro, para removermos os personagens secundários e focarmos na dupla. E eles estavam certos, pois foi o desejo de falar sobre uma relação entre duas pessoas que nos levou a escrever e dirigir INTOCÁVEIS. Portanto, decidimos depositar nossa confiança nessa história e nessa relação, tentando não desviar do caminho. O.N.: Em INTOCÁVEIS, há pouquíssimos atores coadjuvantes, e eles promovem uma pausa na comédia, permitindo que a história se mova sem que percamos vista do essencial.
E.T.: Mas é claro que, para que haja sucesso, eles precisam existir e temos que dá-los corpo e alma. Devemos muito aos atores que os interpretaram e que aceitaram algo que não foi tão óbvio: apenas uns poucos dias de filmagens, pouco para desempenhar, porém papeis-chave em que eles precisariam servir à trama com toda a humildade. E tivemos muita sorte em encontrar isso em Anne Le Ny, Clothilde Mollet, Audrey Fleurot, Grégoire Oesterman e todos os outros que aceitaram a brincadeira com incrível talento.

A música tem um importante papel em seus filmes, particularmente neste. Em que fase da produção vocês pensam nela?
O.N.: Em todas as fases. Por exemplo, assim que começamos a escrever o roteiro, pensamos na música do Earth, Wind and Fire, que Driss dança na festa de aniversário de Philippe. Sobre as músicas que acompanham as sequências do filme, pensamos nelas durante as filmagens e montagem. Para ser honesto, somos um pouco neuróticos em relação às músicas! Passamos muito tempo pensando nelas. Então vem aquela dor de cabeça para obter os direitos!
E.T.: Sobre o compositor da trilha do filme, encontramos Ludovico Einaudi enquanto navegávamos em sites de música. Suas peças para piano – parecidas com as composições perfeitas de Michael Nyman ou Thomas Newman – também acompanharam muitas sequências em que precisávamos tanto de emoção quanto de uma certa distância. Então, um dia ligamos para ele para convidá-lo a compor a trilha do filme. E ele aceitou.

Houve cenas que vocês tiveram medo de filmar?
O.N.: Em um set, sempre há algo que você tem medo...
E.T.: As cenas com a cadeira de rodas em que Omar precisa posicioná-la antes de carregar François e sentá-lo nela. A cena em que François sofre por conta das suas “dores fantasmas”, como se seus membros estivessem recuperando os movimentos. Nesse ultimo caso, não quisemos dá-lo instruções, então ficamos bem tensos. As outras cenas complexas foram aquelas com muitos figurantes.
O.N.: E também houve uma grande novidade para nós: filmar perseguições de carros! Foram momentos loucos, mas ficamos mais animados do que estressados com eles.
E.T.: De fato, há muitas cenas no filme que estávamos ansiosos em filmar como duas crianças animadas, principalmente a cena em que Omar dança Earth, Wind and Fire! Provavelmente começamos a falar com ele sobre ela quatro dias antes. Entrávamos no recinto e ele começava a dançar. No final de cada dia antes das filmagens da cena, eu o pedia para fazer isso para que todos pudessem imaginar o clima que queríamos.
O.N.: E também houve aqueles dias especiais que começavam em um projeto habitacional na periferia de Paris e terminavam nos lares luxuosos dos bairros mais chiques.
E.T.: Isso resume o filme perfeitamente: movemos de um mundo a outro, de uma região visual a outra. Algumas vezes, sentíamos que estávamos no coração do que procurávamos.
É também uma oportunidade de adotar uma aproximação especial para com os projetos...
E.T.: Quando você entra nos projetos, as imagens são instantaneamente impressionantes. Mas tomamos cuidado em permanecermos focados em nosso assunto. Nos primeiros minutos do filme, não queremos retratar as periferias da cidade atualmente e sim explicar quem Driss é, de onde ele vem e, através disso, destacar o contraste com a casa de Philippe em Saint Germain des Prés. Hoje em dia, o público está ciente da dura realidade dos projetos. Portanto, uma cena é suficiente para mostrar o mundo em que vivemos.
O.N.: Além disso, a presença de Omar torna as cenas mais críveis. Pois ele também vem de um projeto como Driss, em Trappes. E ele pôde nos dizer se o que estávamos fazendo estava certo ou não. Com ele, não poderíamos errar...

O filme foi muito modificado durante a montagem?
O.N.: Quando vimos a primeira versão do editor – ele trabalha enquanto filmamos – ainda precisava de algumas mudanças, claro. Porém o filme já estava lá. O modificamos muito menos durante a montagem do que nossos filmes anteriores.
E.T.: Isso aconteceu porque improvisamos bem menos no set, visto que sempre tentávamos tirar as coisas dos trilhos nos nossos outros filmes. Aqui, as coisas foram mais centradas. Porém, mesmo havendo poucas mudanças, o último estágio de modificações realmente ocorre durante a montagem. Por haver uma grande dose de espontaneidade e improvisação no set, pode demorar um pouco para encontrar a forma final do filme.
O.N.: A essência das cenas muda.
E.T.: Aqui, o desafio foi manter o frágil equilíbrio entre riso e emoção. Durante as filmagens, nós normalmente misturávamos tudo e nenhum take ficava igual. A montagem nos permite escolher entre os diferentes estados de espírito de cada um para construir algo coerente enquanto há a mudança entre comédia e emoção. A montagem também foi um momento prazeroso: como um quebra- cabeça em que as peças se encaixam facilmente. Foi particularmente um sinal encorajador e reconfortante para nós: estávamos no caminho certo.

Por INTOCÁVEIS ser baseado em uma história real, vocês sentiram algum tipo de responsabilidade?
E.T.: Sim, mesmo estando livres a despeito de tudo. Não estávamos filmando um documentário, então não tínhamos limites. Após lermos os diferentes rascunhos do roteiro, Philippe nos contou que havia vezes que estávamos aquém da realidade. Da mesma forma, eu realmente tinha a impressão de que éramos moralmente responsáveis por algo...
O.N.: E não acho que traímos a história de Philippe, mesmo tendo que adaptar certas partes por necessidade.
E.T.: Além do mais, não foi por acaso que sentimos que precisávamos mostrá-lo imagens do filme logo após as filmagens. Fomos convidados para sua festa de aniversário surpresa. Abdel estava lá, junto à mãe de Philippe, sua família e todos seus amigos. Usando o computador, mostramos a ele um slideshow de fotos tiradas no set. Foi estranho para ele ver François Cluzet o interpretando. Houve silêncio no meio daquela noite feliz. Todos ficaram tocados. Acredito que a primeira exibição do filme completo será um momento muito intenso para ele e para as pessoas próximas a ele.

FILMOGRAFIA
Eric Toledano e Olivier Nakache

2011 Intouchables/Intocáveis
2009 Tellement Proches/So Close
2006 Nos Jours Heureux/Those Happy Days
2005 Je Préfère qu’On Reste Amis…/Just Friends
2002 Ces jours heureux (curta)
1999 Les petits souliers (curta)
1995 Le jour et la nuit (curta)


Fonte:
Entrevista traduzida e enviada pela www.californiafilmes.com.br via www.espacoz.com.br

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