terça-feira, 7 de agosto de 2012

Entrevista com Françõis Cluzet de 'Intocáveis'


O que mais te atraiu ao ler o roteiro de INTOCÁVEIS pela primeira vez?
O fato de que era uma história sobre dois personagens e o nascimento de uma amizade. Simplesmente, a história de dois homens. Eu amo atuar para meu parceiro. E percebi imediatamente, no set, que Omar trabalhava da mesma maneira e também atuava para mim. Há momentos em que você sabe que não está errado. INTOCÁVEIS realmente deve muito a ele: ele é um cara excepcional. Eu realmente tive a impressão de que ele carregava o filme inteiro. Eu sempre dizia a ele: “Lembre-se, você está atuando para nós dois, eu não consigo fazer nada...” (risos). Houve uma enorme cumplicidade entre nós.

Você encarou esse papel de um tetraplégico como um desafio?
Sim, pois sou um ator que não gosta tanto de diálogos e ama atuar silenciosamente. Isso significa que geralmente preciso do meu corpo para expressar coisas no lugar de palavras! Mas, obviamente, neste caso, não poderia haver nenhum corpo. Então quando não há corpo, eu escuto, participo, faço o que for preciso, rio sobre o que for engraçado. A cumplicidade entre Philippe e Driss ocorre dessa maneira. De um lado, um personagem móvel. Do outro, um personagem imóvel. Driss se torna o meu corpo, de certa forma. Quando ele dança, é como se fosse eu dançando. Quando faz piadas, é como se fosse eu fazendo piadas. Por serem tão diferentes, são feitos para se dar bem. E cada um dá um passo em direção ao outro.

Junto a Omar e seus dois diretores, você encontrou Philippe Pozzo di Borgo, a inspiração para seu personagem, em sua casa em Essaouira. Quais as suas lembranças da visita?
Foram momentos incríveis. Aquele encontro intensificou meu compromisso com o filme, a paixão que dei ao trabalho. Se meu personagem tivesse sido um tetraplégico sem rosto, teria sido mais complicado para mim. Ver aquele homem em seu mundo cotidiano e ouvi-lo nos contar sobre sua vida foi algo fundamental.

Daquele momento em diante, como você se preparou para se tornar Philippe?
Uma vez que dependia do talento de Omar e, como um tipo de efeito ricochete, o motivo de meu personagem contratá-lo se torna evidente, meu trabalho consistia em tentar me esquecer. De fato, é por isso que escolhi esse trabalho. Ele me permite me esquecer. Nunca tentei ser mais bonito ou mais generoso. Não é assim que faço! E meu personagem tem uma sede pelo comum, embora se encontre em uma situação extraordinária. Mesmo quando Driss sugere experiências que passam dos limites, Philippe as aceita porque não as conhece e, como uma criança, quer experimentar tudo... Com INTOCÁVEIS, passei por um processo de abnegação que gosto muito. O filme significou aceitar que o personagem de Driss deveria ter tanta paixão que ele se moveria para dois, faria piadas para dois. E, pouco a pouco, tive que tentar me tornar seu parceiro, alimentá-lo com falas, fazê-lo rir, sendo que ele me faz rir, tornar a vida mais leve para ele, sendo que ele torna a minha vida mais leve. A ponto de esquecer as diferenças e dizer: Estou feliz quando estou com ele. Quero insistir nessa ideia de abnegação, pois ela é essencial para mim em meu trabalho. Não devemos sempre querer que as coisas passem por nós. É uma oportunidade quando elas vêm através de um parceiro. É fascinante em um nível humano. E tive a impressão de que fiquei mais sereno após as filmagens.

Essa cumplicidade com Omar era óbvia ou apareceu gradativamente?
De início, quando Eric e Olivier me disseram que Omar interpretaria Driss, dei uma olhada mais profunda em seu trabalho no SAV comedy show. E gostei do que vi: a gama é bastante ampla. Mas, lembre-se, aquelas eram esquetes curtas e o trabalho é totalmente diferente em um filme como INTOCÁVEIS! Então assisti TELLEMENT PROCHES (conhecido como SO CLOSE) e o achei excepcional. Percebi o quanto ele era querido por Eric e Olivier, a ponto de escalá-lo de encontro ao tipo de tal maneira. Ele está maravilhoso naquele filme porque nunca há distância na sua atuação. Ela está totalmente entregue e não tenta ser mais esperto do que o papel. Ele realmente é um ator incrível. Então fiquei completamente tranquilo antes de embarcar nesta aventura. E ao nos encontrarmos, mesmo Omar sendo muito discreto, pude perceber rapidamente que ele confiava em mim. Eu queria muito formar uma dupla. Para que tivéssemos um comprometimento entre homens, entre atores. Ao final do dia, somos apenas duas crianças se divertindo no pátio da escola e que são felizes quando têm um bom parceiro. Tive sorte, como disse antes, porque me encontrei com um príncipe. Alguém de aproximação saudável, honesta e generosa.

O perigo desta dupla que você forma com Omar poderia ter sido o confronto entre dois atores atuando individualmente. Pelo contrário, tudo ficou parecendo uma hidra de duas cabeças. Não conseguimos ver um sem o outro.
Isso nos leva de volta ao que eu venho dizendo há anos. A competição entre parceiros de atuação acabou, aquela época em que você tinha que criar uma guerra fria no set para que a estrela esmagasse todos os outros. Pois, ao contrário do que os maus atores pensam, nós não temos tanta responsabilidade. Os atores são superestimados. Somos apenas artistas. Temos que nos agarrar aos nossos lugares. Eu comecei como ator amador. Não quero me tornar um ator profissional, consagrado. Graças ao sucesso que tive, ganhei mais autoconfiança, posso retornar para o lado amador: a alegria de compartilhar, de não atuar, mas sim de viver. Desse ângulo, Omar estava em um estado de graça, assim como os diretores, então foi fácil para mim. Também fui levado pela graça de Philippe Pozzo di Borgo. Conheço sua irmã e tenho muito carinho por ela: ela foi a figurinista de JANIS & JOHN. Foi quando fiquei sabendo de seu acidente. Então li o livro escrito por Pozzo. Este homem que diz que sua maior deficiência não é por estar em uma cadeira de rodas, mas sim viver sem a mulher que amava. Foi o que eu tinha para viver: a vulnerabilidade de um homem órfão do amor.

A sua visão sobre Philippe alterou o curso das filmagens?
O problema era que iríamos fazer uma comédia, mas eu não seria capaz de ser ridículo, pois me diverti tanto em LES PETITS MOUCHOIRS (conhecido como LITTLE WHITE LIES). Eu tinha o fardo da deficiência e tinha que ser sincero naquela condição. Além disso, não podia me mover, mas precisava estar atento: ouvir a tudo que era dito, deixar meus sentidos em alerta... Philippe é alguém de verdade, então eu precisava ser verdadeiro em todas as situações. E eu havia esquecido que ele sofrera. Seu sofrimento veio à tona e me pegou de jeito. Então, antes de certas cenas que envolviam dor, eu ia para um canto para me preparar e me concentrar e iniciava um exercício físico para me esquecer, tudo para poder sentir o sofrimento do personagem. Esta preparação corporal e sensorial era indispensável, pois eu não tinha o meu corpo para expressar as coisas. Mas trabalhar sem o corpo não significa que o corpo não sinta nada. O rosto deve expressar o que você sente. Geralmente, corto falas para expressá-las com meu corpo. Aqui, foi o contrário.

Houve algum tipo de receio em algumas das cenas?
Não, a não ser pela ideia de ter a noção de dor no caminho. Eu não me prendi a isso o tempo todo porque o filme é uma comédia: deveríamos esquecer isso, ao mesmo tempo que permaneceria presente. Além do mais, Philippe tem dores fantasma que ninguém pode imaginar: suas pernas doem, sendo que ele não deveria senti- las.

O texto de Nakache e Toledano ousa em usar um estilo inesperado de humor, ao estilo Hitler, com piadas famosas sobre deficientes... Eles não ligam por optar pelo humor ou emoção. Eles não têm nenhum complexo.
Eles entenderam perfeitamente que as únicas coisas que Philippe não aguenta são a pena e a compaixão. Ele não quer ser resumido pela sua condição, sendo que ele não impõe isso aos outros. Ele sabe que eles têm sorte por poderem se mover! Mas ele tem sorte por estar vivo. Eric e Olivier conseguiram passar isso perfeitamente por optar pela comédia. Além disso, cada membro dessa dupla tem uma deficiência. Driss, uma deficiência social. Philippe, uma deficiência física. É por isso que Driss não sente pena de Philippe. E é isso que o torna tão atraente aos seus olhos.

Como Eric e Olivier trabalham no set?
Eles são muito exigentes e ambiciosos. Foi complicado para mim contá-los que a minha maior ambição era apenas deixar as coisas acontecerem. Com a experiência, aprendi que você faz grandes filmes quando permite que a vida entre. Eric e Olivier têm um sentido de fantasia e perspicácia. Com eles, os dias passam rapidamente e são muito prazerosos. Eles adoram seus atores e estão com eles. E é essa a chave que lhe permite deixar-se ir sem tentar atuar. Eu apenas tento não atuar enquanto não esqueço que apenas o filme importa e que, mesmo sem me mover, tenho que trazer algo que o dá energia e poder. E Eric e Olivier sempre estavam lá para me motivar. Até naquelas cenas em que Philippe está sozinho e começa a deixar-se levar, pois não tem força para continuar. Ele realmente abandona a si mesmo em seu pesar sem demonstrar nada, sempre muito discreto.

O que você sentiu ao assistir ao filme?
Eu nunca consigo assistir aos filmes em que atuo. Mas desta vez eu me emocionei. E descobri um filme que funcionou porque foi feito com um verdadeiro espírito de equipe. Quando eu vejo INTOCÁVEIS, também me emociono porque percebo que acertamos, que nosso trabalho realmente consiste na abnegação e que aqueles que acreditam que trabalham para defender suas próprias peles, sempre estarão em filmes muito decepcionantes. O desafio é fazer um filme funcionar, não atuar dentro dele. Este filme é a dupla: nada nunca nos leva a escolher entre Driss e Philippe. Essa é a quintessência do nosso trabalho. E isso também diz respeito a Eric e Olivier: nenhum dos dois tem um ego enorme. Fico feliz em ver que lindos filmes são feitos juntos, sob uma boa atmosfera. Enfim, quanto mais fácil você torna minha vida, melhor será meu desempenho, pois sinto que devo algo.

Fonte:
Entrevista traduzida e enviada pela www.californiafilmes.com.br via www.espacoz.com.br

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